Biologia Tumoral e Carcinogênese


A história natural da maioria dos tumores malignos pode ser dividida em 4 fases: (1) transformação maligna, (2) crescimento da célula transformada, (3) invasão local e (4) metástase. O processo de transformação maligna ocorre em vários estágios e resulta do acúmulo de alterações genéticas.

       Essas alterações genéticas conhecidas como mutações podem ocorrer por ação de agentes ambientais como substâncias químicas, radiação ou vírus. Evidências demonstram que a massa tumoral origina-se de uma única célula que contraiu as alterações genéticas, conhecidas como tumores monoclonais. A leucemia mielóide crônica é um tipo de tumor que reforça esta teoria, onde em quase todos os casos as células leucêmicas têm o mesmo tipo de translocação entre os cromossomos 9 e 22. O mesmo é observado em neoplasias de linfócitos B, em que todas as células do tumor possuem o mesmo tipo de rearranjo gênico no DNA que codifica as cadeias das imunoglobulinas.

ONCOGENES E GENES SUPRESSORES DE TUMOR

        As alterações genéticas que promovem o desenvolvimento de câncer ocorrem em duas classes de genes reguladores do crescimento, que estão presentes em células normais: os proto-oncogenes, que promovem o crescimento e os genes supressores de tumor, que inibem o crescimento celular. Alterações nos proto-oncogenes e nos genes supressores de tumor podem provocar desenvolvimento de células com crescimento descontrolado.

Os oncogenes foram primeiramente descritos em genoma retroviral que induziam tumores em animais. Estes genes foram chamados de oncogenes virais (viral oncogenes, v-oncs). Posteriormente, foi descoberto que os oncogenes apresentavam seqüências muito semelhantes ao DNA das células normais, chegando-se a conclusão que os vírus provocam mudanças na seqüência de DNA da célula normal que foram infectadas. A partir deste achado os genes normais foram chamados de proto-oncogenes. 

Os proto-oncogenes podem transformar-se em oncogenes através de 2 formas:

- Mudanças na estrutura do gene, resultando na síntese de oncoproteínas (produtos genéticos anormais) tendo função aberrante.

- Mudanças na regulação da expressão do gene, resultando um aumento ou produção inadequada de proteínas promotoras de crescimento estruturalmente normais.

- Mutação em ponto - o oncogene ras é o melhor exemplo de mutação em ponto e está associado a um grande número de tumores humanos. Por exemplo, 90% dos adenocarcinomas pancreáticos, 50% dos cânceres de cólon, endométrio e tireóide e 30% dos adenocarcinomas pulmonares e leucemias mielóides apresentam este tipo de alteração. 

- Translocação cromossômica - o rearranjo do material genético por translocação cromossômica usualmente resulta em aumento da expressão do proto-oncogene. O melhor exemplo de translocação provocando tumor ocorre no linfoma de Burkitt e resulta no movimento do seguimento contendo c-myc do cromossomo 8 para o cromossomo 14q na banda 32.

- Amplificação gênica - a ativação do proto-oncogene associada com aumento da expressão de seus produtos pode resultar da reduplicação do DNA, produzindo várias cópias de proto-oncogene nas células tumorais. O caso mais interessante de amplificação envolve N-myc em neuroblastoma e c-erb B2 em câncer de mama.

     Os oncogenes codificam proteínas chamadas oncoproteínas que participam na transdução de sinais durante várias etapas do ciclo celular. Existem 4 categorias de oncogenes que estão associados a divisão celular e desenvolvimento de câncer que são: fator de crescimento, receptor de fator de crescimento, proteínas envolvidas na transdução de sinais e proteínas reguladoras nucleares.

Os genes supressores de tumor (anti-oncogenes) codificam proteínas que inibem a divisão celular. Por desempenharem esta função e terem sido descobertos em estudo de tumores receberam esta denominação. O primeiro gene supressor de tumor descrito foi o Rb o qual está localizado no cromossomo 13q14 e está associado ao desenvolvimento do retinoblastoma, que afeta aproximadamente 1 em 20.000 crianças.
      
      O p53 é o gene supressor de tumor mais comumente relacionado aos cânceres humanos. Alterações nestes genes são encontradas em aproximadamente 70% dos cânceres de cólon, em 30 a 50% dos cânceres de mama e em 50% dos cânceres de pulmão. Além dos tumores epiteliais, mutação no p53 tem sido encontrada em leucemias, linfomas, sarcomas e tumores neurogênicos. Vários genes supressores de tumor envolvidos no desenvolvimento de cânceres humanos estão listados na tabela a seguir.
         
         Os mecanismos pelos quais os genes supressores de tumor inibem a divisão celular são pouco conhecidos. Entretanto, evidências sugerem que os sinais que inibem a divisão celular originam-se fora da célula e utilizam-se de receptores de membrana, proteínas citoplasmáticas e proteínas nucleares para realizarem seus efeitos, como ocorre nos oncogenes.

MECANISMOS DE INVASÃO E METÁSTASE
     
      A invasão e metástase são processos relacionados aos tumores malignos e se desenvolvem em várias etapas. Estudos revelaram que embora milhões de células do tumor primário sejam lançadas diariamente na circulação, somente algumas metástases são produzidas. Isto é explicado pelo fato de células de um mesmo tumor serem heterogêneas e apenas algumas terem potencial metastático. Para que uma célula neoplásica obtenha sucesso na metastatização ela deve inicialmente se destacar do tumor primário, invadir e migrar nos tecidos adjacentes, infiltrar e sobreviver na corrente circulatória, aderir e atravessar os capilares sangüíneos e sobreviver em um tecido estranho ao de sua origem. Cada uma destas etapas requer habilidades especiais, fazendo com que o processo de metástase seja seletivo. As células normais expressam glicoproteínas transmembrânicas que promovem adesão intercelular, desempenhando importante papel na manutenção da integridade estrutural. As caderinas são as de maior importância. No tecido epitelial são chamadas de E-caderina. Alterações nestas proteínas diminuem a adesão entre as células e facilitam o desprendimento do tumor primário e invasão dos tecidos vizinhos. Para invadir e migrar no tecido conjuntivo as células metastáticas devem primeiramente se aderir aos componentes da matriz extracelular. Esta adesão ocorre devido à expressão de receptores para laminina e fibronectina. As células tumorais podem também expressar integrinas que são uma família de glicoproteínas de superfície celular que mediam a adesão célula - célula ou de célula com a matriz extracelular. Para migrar no tecido conjuntivo, as células metastáticas devem ser capazes de secretar colagenases e outras enzimas proteolíticas que digerem a matriz extracelular. Para entrar na corrente circulatória, as células devem atravessar a membrana basal (MB). A MB é uma fina camada de matriz extracelular que envolve vasos sangüíneos, células musculares, adiposas, nervosas, além de separar o tecido epitelial do conjuntivo. A MB parece ser uma barreira particularmente importante à disseminação de células metastáticas. Para atravessar esta barreira as células precisam inicialmente aderir à “laminina” que é um dos principais componentes proteicos das membranas basais. A interação dos receptores celulares com a laminina parece estimular a síntese de colagenase IV. A degradação do colágeno IV faz com que a membrana basal se desintegre, abrindo o caminho da célula metastática para a corrente circulatória.

         Ao entrar na corrente circulatória a maior parte das células é provavelmente destruída por linfócitos NK (natural killer) e fagócitos polimorfonucleares. Algumas células tumorais aderem às plaquetas circulantes, sendo esta interação mediada por integrinas. A interação das células metastáticas com plaquetas parece ser um fator importante na metastatização, principalmente no desenvolvimento de metástase pulmonares. Além de possível camuflagem das células tumorais, que assim conseguem escapar dos leucócitos circulantes, a interação célula tumoral - plaquetas pode formar pequenos trombos que são aprisionados nos pequenos vasos sangüíneos dando origem a novos focos metastáticos.

       Células tumorais isoladas também podem aderir a receptores de membrana nas células endoteliais e atravessar os vasos sangüíneos, num fenômeno similar a leucopedese.

          O local de desenvolvimento de metástase está relacionado, em parte, a localização anatômica do tumor primário. Entretanto, algumas observações sugerem que a via natural de drenagem não explica inteiramente a distribuição das metástases. Por exemplo, cânceres de próstata desenvolvem metástase óssea com relativa freqüência, carcinoma broncogênico tende envolver adrenal e cérebro, e neuroblastomas irradiam para fígado e ossos. O tropismo para determinados órgãos pode estar relacionado a 3 mecanismos:

- Células tumorais podem expressar moléculas de adesão as quais se ligam preferencialmente às células endoteliais de órgão alvo.

-  Alguns órgãos podem liberar agentes quimiotáticos que recrutam células tumorais.

-  Em alguns casos o órgão alvo parece não ser favorável para a proliferação das células tumorais. Apesar de existirem alguns fatores que indiquem a maior probabilidade de desenvolver metástase em determinado local, a precisa localização da metástase não pode ser prevista em nenhum tipo de câncer.

CARCINOGÊNESE

      Vários são os agentes carcinogênicos que promovem alterações no DNA transformando as células em malignas. Eles dividem-se em três categorias: (1) carcinógenos químicos, (2) energia radiante e (3) vírus oncogênicos.

             A carcinogênese é dividida em dois estágios: iniciação e promoção. Na iniciação as células são expostas a carcinógenos que promovem alterações permanentes no DNA (mutação) e na promoção ocorre proliferação das células transformadas. O conceito de iniciação e promoção é baseado em estudos experimentais envolvendo o desenvolvimento de câncer em camundongos.

Carcinogênese química

          Uma grande quantidade de substâncias químicas (naturais ou sintéticas) apresentam potencial carcinogênico. Algumas não necessitam de transformação química para promover carcinogênese e são chamadas de carcinógenos de ação direta. Outras requerem conversão metabólica in vivo para que os produtos finais sejam capazes de transformar as células, sendo neste caso conhecidas como carcinógenos de ação indireta ou pró - carcinógenos.

Radiação

      A radiação sob a forma de raios ultravioleta da luz solar e as radiações eletromagnéticas (raios x, raios gama) e particuladas (partículas alfa, beta, próton e neutron) podem provocar alterações celulares e desenvolvimento de câncer. Os raios ultravioleta estão relacionados ao aumento da incidência de carcinoma de células escamosas, carcinoma basocelular e melanoma de pele. As radiações ionizantes de origem médica (radioterapia), ocupacional (mineiros de elementos radioativos) e a bomba atômica (Hiroshima e Nagasaki) estão associados a uma grande variedade de tumores malignos.

Carcinogênese viral

        Vários vírus (DNA ou RNA) têm mostrado potencial para induzir transformação maligna. Os três principais vírus DNA implicados na causa de câncer humano são: 

- Papilomavírus (HPV) - foram identificados 65 tipos distintos de HPV, os quais estão relacionados a origem de vários tipos de câncer.

- Vírus Epstein-Barr (EBV) - é um membro da família herpes e está associado a patogenia de 4 tipos de câncer humano: linfoma de Burkitt, linfoma de células B em pessoas imunossuprimidas, alguns casos de doença de Hodgkin e carcinoma de nasofaringe.

- Vírus da hepatite B (HBV) - evidências sugerem associação do HBV com câncer hepático. Com relação ao vírus RNA (retrovírus), apenas o vírus tipo 1 da leucemia de célula T humana (HTLV-1) está associado a uma forma de leucemia/linfoma de célula T. 


Fonte: PATOLOGIA GERAL - DB-301, UNIDADE V, FOP/UNICAMP
SHARE

Criador e Editor: Jhonny Feitoza

    Blogger Comment
    Facebook Comment

0 comentários:

Postar um comentário